terça-feira, 20 de agosto de 2013

A Turma do Saco no rastro da sua própria história



Jamais me esqueci do momento em que estávamos no Laborarte, em 1979, em um encontro dos (posteriormente) fundadores do Centro de Cultura Negra com o então professor José Carlos Saboia. Naquele instante, liderados por Mundinha Araújo, conversávamos sobre a nossa experiência com o racismo no Brasil. Algumas pessoas emocionadíssimas falaram de situações em que sofreram discriminação racial, ao mesmo tempo em que mostravam muita vontade de mudarem a situação, com fundamento na história do negro no Brasil.
Após ouvir os depoimentos de várias pessoas, José Carlos Saboia num sinal de apoio a iniciativa do grupo, nos disse uma frase que eu jamais esqueci: “O povo que não conhece a sua história está fadado a perecer”. Ali o grupo sentiu que estava no caminho certo ao priorizar como uma das diretrizes, aprofundar o conhecimento sobre a história do negro no Brasil.
Ontem (19/08/2013) fui chamado à sede da Mocidade Independente Turma do Saco - MITS, entidade carnavalesca, classificada na categoria de bloco organizado. Na oportunidade, jovens dirigentes do bloco, liderados por Márcio Cavalcante, Rosário Costa e o deputado José Roberto Costa, convocaram antigos componentes fundadores para conversarem sobre a comemoração dos 40 anos de fundação da MITS que será no próximo ano.
Encontros como esse são sempre eivados de emoção, imaginem eu encontrar com o Zeco Quim, pessoa amada, um irmão, com a qual eu compartilhei a composição de vários sambas vitoriosos da Turma do Saco. É mais que uma alegria, é algo muito prazeroso. Isto falando só do Zeco, mas, além dele, encontramos amigos das antigas como Rogério e Reginaldo Guaianaz, Henrique Franco de Sá (Zeca Pilu), Darlan, Chiquinho Baía, Basinho Viégas Guimarães e muitos outros cujo encontro sempre nos propicia muito júbilo.
Chama à atenção a vontade destes jovens, em parceria com os antigos fundadores da Mocidade Independente, de compilar e sistematizar documentos históricos da entidade. Nesse sentido, mostraram-se inclinados a fazer um registro fonográfico com todos os sambas campeões levados à avenida pela entidade; uma revista que resgate momentos históricos da linha do tempo da entidade, para a qual estamos solicitando a todo/a e qualquer componente novo ou antigo que puder colaborar com fotografias, reportagens jornalísticas, quaisquer outros documentos que tenham um pouquinho da História da Turma do Saco, que empreste à diretoria atual para que a mesma possa elaborar um estudo consistente; e ainda, um documentário que resgate a conjunção de momentos dos desfiles da Turma do Saco nos carnavais de São Luís e depoimentos de ícones cuja vida se confunde com a história dessa entidade carnavalesca. Acreditamos que as empresas de comunicação de São Luís têm enorme capacidade de colaboração para o enriquecimento da ilustração da história deste bloco organizado. A Rádio/TV Difusora, a TV Educativa, a Rádio/TV Mirante e as demais empresas do ramo têm, sem dúvida, muitos momentos preciosos de vídeo/filme da Mocidade.
Da mesma forma, os jornais da cidade: O Jornal Pequeno, O Estado do Maranhão e o Imparcial, principalmente.
Torço e colaborarei no que for necessário para que o projeto dessa nova diretoria se concretize com consistência. Zé Roberto e Márcio foram criados no Codozinho, sempre participaram da Turma do Saco. Fizeram parte da bateria mirim que foi treinada por Rogério Guaianaz e Laurindo Teixeira. Este, aliás também emergiu da bateria mirim, da qual fez parte na Elesbão (Lelé de Maria Maçarico), Valber Pô, Zé Maria de Serrote, Acrísio, Robson, Fussura, Marquinhos, Xororó, Basinho e tantos outros percussionistas que no período que vai de meados dos anos 1980 aos anos de 1990, compuseram a que eu reputo como a melhor bateria que a Mocidade Independente Turma do Saco já teve nestes quase 40 anos de existência.
Trata-se de um projeto de considerável envergadura, contudo, se a comunidade codozinhense/sacolense for devidamente mobilizada vai faltar serviço para tantos obreiros. Conheço os amantes da Turma do Saco e, estes quando estão motivados são capazes de verdadeiros milagres. Estou exagerando? Não, não estou. Basta lembrarmos do ano em que a Turma do Saco foi campeã com o tema A Fonte do Ribeirão. Naquele ano padecíamos com a falta de um artista plástico, um carnavalesco que fizesse as carrancas da referida fonte, quando estávamos quase ao desespero, o nosso saudoso Babá chamou a responsabilidade para si e fez um trabalho de altíssima qualidade – lindo! Nem precisa repetir qual foi o resultado. Só a título de ajuda-memória, durante o desfile na passarela a nossa alegoria quebrou e de imediato o nosso pessoal, que o nosso saudoso Serrote chamava de A Barreira do Som, segurou o carro no pulso e os jurados sequer perceberam do que se tratava. O nosso querido Preto Cunha foi um dos liderou todo esse processo.
Ontem, a partir das falas de Márcio Cavalcante, do Zé Roberto e de outros jovens presentes na reunião na sede da MITS, eu percebi a motivação que levou esses jovens não deixarem que a Turma do Saco se perdesse no tempo, sucumbisse. Foi o fato de lutarem permanentemente pela preservação dos marcos históricos que nortearam as suas infâncias, a vida em comunidade que marcou fortemente as nossas vidas, que se confunde, enfim com a história de um bairro inteiro. É essa história que haveremos de concatenar num registro singular para que futuras gerações, com fulcro nela, possam dar continuidade a esse projeto grandioso que iniciou com a união de um punhado de jovens amigos moradores do bairro do Codozinho.

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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Eu e o meu pai




Embora não conste no meu registro de nascimento, eu tive um pai. Chamava-se Antônio de Lídia, mas, na verdade, Lídia era o nome da minha avó paterna, que eu não conheci. Parece que o sobrenome dele era Trancoso. Falo parece, porque como não tive muita proximidade com o meu pai, não sei quase nada sobre ele.
Engraçado que dele só tenho boas referências apesar de nunca ter vivido momentos com ele, de nunca ter passado um só dia ao lado dele. As pessoas falavam que ele era um excelente marceneiro, que trabalhava como um artista, que tinha método para tudo, até mesmo para bater um prego. Dizia-se também que ele foi um bom filho, que ele mesmo preparou o caixão que a mãe dele se enterrou. Que foi, segundo comentavam, uma obra de arte feita em madeira e vidro.
A minha mãe me dizia que ele era o meu pai e que eu tinha que tomar a bênção para ele e eu a obedecia prontamente. Ele, por sua vez, sempre me abençoava alegre e satisfeito. Daí a imagem boa que eu trago dele. Ele era uma pessoa de bem com a vida. Em Rosário, as pessoas com as quais eu convivia, todas falavam bem dele.
Dizem que pra tudo ele tinha uma tirada, uma saída, uma forma de se safar. Certo dia, ele estava no comércio dos Caires, na Rua de Cima (bairro de Rosário) e lá estava uma turma de rapazes bebendo. Aí ele encostou ali para bater um papo com a rapaziada e tomar uma dose de conhaque, quando um dos rapazes, só para dar uma gozada nele, perguntou: - seu Lídia, por que o senhor é tão feio assim? E ele respondeu sem pestanejar: - Eu era um rapaz bonito, sempre me vesti bem e era muito querido pelas moças da minha época, mas um dia, quando eu estava trabalhando no telhado da igreja de Nossa Senhora do Rosário, escorreguei e caí batendo a cabeça no chão de tal forma que transformou a minha fisionomia e, eu me salvei por graça da santa, mas fiquei assim, feio. Depois da explicação do seu Lídia, toda a vez que os rapazes da Rua de Cima viam alguma pessoa que reputavam como feia, exclamavam: - Hum, essa deve ter caído de cima da igreja!
De seu Lídia, diziam também que ele não falava certas palavras exatamente como elas eram grafadas. Tijolo ele chamava apenas de jolo, porque segundo falavam, ele dizia que não se tratava de um tio seu; cueca, ele chamava de eca, porque dizia não falava palavrão em público; por esse mesmo motivo quando se referia ao cuscuz, preferia chamar de duas talhadas. Nestes termos ele chegava mesmo a ter um vocabulário particular para designar certos termos existentes no nosso vocabulário.
Saí de Rosário aos 15 anos para estudar em São Luís. Não tive mais contato com o meu pai. Como entre nós não foi cultivada a proximidade, uma relação estreita entre pai e filho, a minha saída de Rosário significou uma separação para sempre. Nunca o procurei e vice-versa.
Certa vez, dia de finados, cheguei ao cemitério de Rosário para visitar a sepultura da minha mãe e, enquanto acendia velas e rezava, uma senhora idosa cuidava de uma sepultura próxima. Quando terminei de rezar eu a cumprimentei e ela falara que estava cuidando da sepultura do compadre dela, já que ele não deixara ninguém que pudesse fazer isso. E lamentava: - Logo ele que ia ao enterro de todo mundo nesta Rosário, quando morreu não tinha ninguém sequer para carregar o seu caixão. Então eu perguntei quem era o seu compadre e ela me confidenciou que se tratava do Antônio de Lídia. Fiquei mudo, não sabia o que dizer. Rezei em silêncio e ofereci as minhas orações à alma dele. Não disse a ela que era o filho dele.
Aquela sena ficou presa na minha memória para sempre. Quando o meu pai ficou velho eu já era um rapaz e, se tivesse algum contato com ele, talvez até pudesse cuidar dele, mas eu não tive a escolha e sequer soube da vida dele depois que fui embora para São Luís. A relação com o meu pai me fez depreender que na relação entre pais e filhos é necessário que se cultive a amizade, o respeito, o carinho no convívio do dia-a-dia, que façamos, um para com o outro, ações que sejam traduzidas como amor, afeição, por ambos. Caso contrário, os cuidados que foram desperdiçados ou omitidos no início farão falta no final. Nada melhor do que a oração de São Francisco para traduzir a minha conclusão. É possível que assim como a presença dele fez falta na minha vida, principalmente, durante a infância e a adolescência; a minha presença também tenha feito falta para ele em algum momento.
Antônio de Lídia, onde quer que você esteja eu desejo que o Grande Arquiteto do Universo te ilumine no Oriente onde repousa a tua benfazeja alma.
 

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